quarta-feira, 20 de outubro de 2010

12 de junho de 2009, Lembranças sobre tela (Poema n°5)

Ao abrir a porta, me deparei com uma casa vazia. Já havia esquecido que outrora alguém ali habitara. Todo aquele espaço, de tão poucas coisas; de certa forma me ria, um deboche, para mim, que encontrara a ausência do que ali vivera.
Caminhei por entre o que sobrou dos móveis, tentei lembrar de algo dessa minha vida passada, mas todos os esforços eram vãos, como também eram os vazios vãos dessa casa de lembranças pela vida abandonada.
Eu sabia que algo ali já tinha vivido, mas parecia que tudo havia sido de algum modo removido, apagado de minha memória, como aquelas telas em branco, lençóis jogados por cima de tudo para esconder um passado também branco. Branco. Era essa a impressão que tinha frente àquele quadro sem cores. Algo acontecera, ali eu havia provavelmente vivido algo, quiçás amores. Mas tudo tinha sido terminado e apagado de repente. Por debaixo dos panos que não consegui levantar, havia com certeza essa vida. Escondidos de meus olhares haveriam porta-retratos com fotografias de um casal que teria sido feliz; dentro das gavetas trancadas, meus versos antigos, uma poesia menos sofrida, onde o tema não fosse a tristeza e o desespero, mas a biografia de alguém feliz.
Sentei num canto à espera de algo ou alguém. Foi então que, primeiras cores que vi, ela entrou por aquela mesma porta que havia deixado aberta e minha vida revi. Trazendo consigo luz, as coisas se tornaram mais claras e transparentes. Pude perceber, através aquele tecido, a cama que há tempos deixara de servir, sobre a qual eu teria vivido com ela momentos únicos e marcantes. Através daquela membrana fina, pude ver e sentir os lençóis ainda desforrados, traços que tentavam me lembrar algo que agora desconhecia.
Ela avançou e foi abrindo as portas pelas quais não passara ainda e, como querendo me mostrar tudo, abriu alguns dos armários que ainda restavam. Não resistindo ao convite, busquei na bagunça dali, até encontrar algum indício. Não achei cartas nem poemas, apenas álbuns de fotos nos quais via minha imagem recorrente, quase sempre acompanhada de uma mulher. Parecia ser essa mesma mulher que estava ali do meu lado, mas algo em seu rosto era diferente, não podia descrevê-lo. Era como se nunca tivesse visto algo parecido para poder ter as palavras certas. O cabelo de então era o mesmo, mas a cor não era constante, enquanto castanho nas fotos, agora pareciam mudar de cor e não saber qual assumir em definitivo, variando do azul ao vermelho, passando por tons de verde e amarelo. Algo que também observei, é que as roupas eram também diferentes: antes sempre coloridas e alegres, agora negras neutras, pesadas até. Ela vestia o luto de nossa antiga vida, de nossos antigos planos mas ao mesmo tempo parecia me ignorar. Até agora não havia um sinal de que sequer me notara.
E ali fiquei por muito tempo e por muito tempo busquei respostas. Aos poucos fui juntando os elementos que encontrava e escrevendo minha história, a nossa história naquela casa quase vazia e que esvaziava a cada novo dia. As lembranças iam se perdendo com o passar do tempo e a reconstituição ficando mais difícil.
Finalmente decidi não lembrar e passei a querer apenas inventar, com as cores que ela me dera e os modelos que eu imaginava ter. Fiz tela dos lençóis espalhados. Desenhei, pintei e voltei até a escrever. Mas logo me dei conta que era como se eu tivesse repetindo algo que já tivera sido feito antes. As linhas tomavam forma com o simples contato do lápis e palavras apareciam sem que eu pudesse terminar o movimento. Antes que eu pudesse pensar em escrevê-los, nomes surgiam sob meu lápis e sob meu sentimento de saudade (de quê?), palavras de “amor perfeito” e “não te esqueças de mim”.

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